sábado, 19 de outubro de 2013

O Caminho da Liberdade

O caminho da Liberdade pode ser entendido como o mais tortuoso dentre todos os caminhos, justamente porque ele se dá no campo do discurso, e o fim original de todo discurso é justamente o oposto à essência da Liberdade: a manipulação. Desde que os homens descobriram que podem comunicar-se entre si, descobriram que tinham a capacidade de influir sobre as atitudes de outras pessoas de maneira a tirar algum proveito. A manipulação é tão tentadora porque por meio dela os homens adquirem tentáculos com os quais podem agir de maneira onipresente, realizando por meio dos outros todos os seus anseios e expectativas. 

Todo homem é capaz de formular ideias, que são explicações mais ou menos razoáveis para entender a realidade que o cerca. Uma ideia pode ser benéfica para os outros membros de uma dada comunidade ou pode ser uma visão que traga o prejuízo de uma minoria (ou mesmo maioria) em detrimento da realização de anseios de outros. Mas uma ideia só se torna de fato perigosa quando ultrapassa o âmbito de uma interpretação pessoal e se torna um senso generalizado e, em seu estágio mais extremo, inquestionável, se tornando nesse caso uma ideologia.

Desde o princípio da História das Civilizações, os seres-humanos são dominados por ideologias que dão conta de explicações completas e muitas vezes inquestionáveis que explicam todo o sistema político e econômico em que estão inseridos, legitimando e reproduzindo a situação vigente. Impérios se estruturavam totalmente a partir de explicações religiosas e cosmológicas que estavam diretamente ligadas à manutenção das relações de poder existentes.

Porém, há aproximadamente 2500 anos, um fenômeno bastante interessante aconteceu em uma região rochosa e montanhosa do sudeste da Europa: um povo formado por inúmeras cidades independentes começou a questionar os sistemas ideológicos vigentes, isso é, a validade da religião para explicar a realidade, preferindo buscar explicações mais simples e imediatas a qualquer ser-humano, dando início ao pensamento filosófico. Esse marco, que se deu na Grécia Antiga, revolucionou para sempre o pensamento humano.

Os gregos não foram os primeiros a desenvolver ideias racionais e matemáticas, visto que a história nos mostra que os egípcios e macedônicos já tinham conhecimentos bastante vastos para a época nos referidos campos, bem como já davam conta de literatura rica e vasta. O grande diferencial grego se deu justamente pelo questionamento à religião e à valorização do ser-humano como ser individual e autônomo, em contraste das visões de mundo que concebiam o homem como uma mera peça de uma engrenagem que lhe é totalmente alheia.

Não foi por acaso que os filósofos gregos foram os primeiros a separar a dimensão material humana da dimensão ideal, já que até então a explicação para a realidade e a própria realidade sempre fizeram parte do mesmo sistema ideológico orgânico e intrínseco. Ao valorizar a reflexão e o pensamento crítico (ou o questionamento das verdades), o célebre filósofo Sócrates possibilitou que seu discípulo Platão concebesse uma concepção que separasse essência de ser, ideia de matéria, explicação de realidade. Finalmente, Aristóteles chegou à conclusão de que as explicações, ou ideias, eram resultado da realidade material, e não o contrário, como sugeria Platão, dando início à história do pensamento racionalista ocidental.

Foi aí que nasceu a Liberdade, foi aí que iniciou-se sua árdua jornada. Desde então outros sistemas hegemônicos buscaram explicações que novamente integrassem o ser-humano à natureza e aos seus pares de maneira que sua vida pudesse mais uma vez possuir um sentido único e inalienável. Esses sistemas, que chamaremos de ideologias e religiões, persistiram e ainda persistem porque para o homem será sempre inquietante estar de frente com a Liberdade: ela joga sobre cada um a responsabilidade por seus próprios atos, escancara diante de cada homem e mulher a sua pequeneza diante de um Universo que lhe é alheio. Mas ao mesmo tempo nunca deixou de haver quem defendesse com unhas e dentes esse nobre princípio, entendendo que jamais haverá mentira tão bela e confortante que pague a grandeza da Liberdade, ou a possibilidade de se desprender de ideologias para construir um caminho pessoal, pagando todos os seus preços e ônus.

É em nome desse princípio que batalho, para que a Liberdade jamais seja confundida com ideias demagógicas, isso é, ideologias que permitem que grupos determinados detenham verdades que devam ser aceitas como verdade absoluta por outros seres-humanos. Para desmascarar ideias que pretendem que a Liberdade só pode ser alcançada por meio da servidão: esse meio jamais levará à
Liberdade, no máximo leva ao estágio orweliano onde uma ideologia é tão forte a ponto as pessoas engolirem a falácia de que "liberdade é escravidão".

Liberdade é apenas Liberdade, e ao mesmo tempo LIBERDADE, assim mesmo, com letra maíúscula. Estar sozinho e ser tudo.